segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Frio

Agora eu estou parada. O vento frio roça meu rosto. São muitos metros até o chão, mas eu posso ouvir os carros passando, as pessoas conversando, os pássaros cantando. Um dia como qualquer outro. Mas não para mim. Hoje eu quero voar.
Abro os braços. Sinto o vento frio de inverno ao redor do meu corpo, entrando pelas frestas das minhas roupas, me fazendo tremer. Mas o frio é bom. Ele me embala e me deixa leve. Fecho os olhos. Um passo. Dois. Três. Exatamente na ponta do precipício. Abro os olhos. Sinto náuseas ao olhar para baixo. Respiro fundo e volto a ficar parada. Fecho os olhos novamente. Não ouço mais os carros, nem as pessoas, nem os pássaros. O cheio nauseabundo de poluição sumiu. O mundo sumiu.
Então o prédio sob os meus pés também desaparece, e eu vou caindo, caindo, de braços abertos. A medida que eu caio, a pressão vai comprimindo meu corpo. Mas eu estou voando, como eu queria. Eu não sinto mais dor. Eu não sinto mais desespero. Eu não sinto mais medo. Eu não sinto mais nada, só um sentimento de tranquilidade, a tão esperada tranquilidade me invadindo por dentro.
E quando estou a ponto de me estatelar no chão, eu abro os olhos. Então estou de volta ao prédio, com todos os ruídos, cheiros, e aquele velho preto e branco de mundo urbano. Olho lá em baixo. Um suspiro sai de mim, então eu digo:
- Queria que valesse a pena.

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Imensidão sem fim

As vezes me vejo sentada numa caixa preta no meio de um deserto árido. Os cotovelos apoiados nos joelhos, o queixo apoiado nas mãos. Atrás de mim, milhas e mais milhas de areia, brilhante por conta do sol, mal percorridas. A minha frente, mais milhas dessa mesma areia que ainda me falta percorrer. Mas estou sentada, e não caminhando, como deveria. Isso porque, a única coisa que eu consigo fazer é ficar ali sentada, olhando ao longe a fusão entre o céu e a areia ficar ondulada por conta do sol, esperando algo rompe-lá. Eu não sei o que vai vir, e nem se virá, mas eu espero.É isso, ou percorrer mal percorrido o resto das milhas a frente. Minha testa dói, e a vontade de me esconder dentro da caixa preta em que estou sentada só aumenta. Mas ai estaria me escondendo, e eu não quero me esconder, pois já fiquei escondida por muito tempo. Então eu continuo a esperar, pois não tenho coragem de me levantar, enquanto a caixa preta se desgasta, e eu fico cada vez mais sozinha, no meio daquela imensidão sem fim.

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Relatos de uma morte

Eu estava jantando quando me chamaram. Eu desci. Quando a mulher me perguntou “Você tem um gato?” Eu pensei que ela estava querendo um dos meus, o que eu não ia dar. Então tive que pedir para ela repetir, e ela repetiu a mesma coisa, ao que eu tive que responder “Tenho, sim”. Então ela disse “Ele está morto, aqui do lado” e apontou para a calçada da vizinha. “Ele está morto” foi o que ela disse.
Na hora eu pensei que era um dos meus gatos que tinha desaparecido há um tempo. Eu não queria sair e ver. Mas eu fui.
Quando eu olhei, não soube discernir se o gato era realmente meu. Logo eu pensei no Bohan, o gato favorito da minha irmã, mas era muito magro para ser ele. Eu agachei e fiquei olhando.
“É seu?” não parava se me perguntar a moça, ao que eu não parava de responder “Eu não sei, eu não sei”. Mas eu sabia muito bem. Era uma gata, e ela não tinha nome. Isso porque ela, junto com a sua irmã, e outro que já havia morrido, eram ariscos. Eles viviam sim na minha casa, e comiam da ração que eu dava para os outros gatos, mas não deixavam encostarem neles.
Mas não foi nenhum desses motivos que me deixaram atônita, e sim como ela havia morrido. Foi atropelada. Mas o carro só lhe acertara a cabeça. Ou o pescoço. Eu não sabia ao certo. Eu não via um dos olhos, porque tinha pulado para fora, eu via muito sangue. Alguém disse que ela saiu pulando até cair jazida ali, e que a rua estava ensangüentada. Diziam algo sobre um fusca branco, sobre ter sido de propósito, e faziam piadas. Mas eu não ouvia, eu não ouvia nada, eu só conseguia olhar para a gata.
Então me levantei e disse “E minha sim, a gata” e a mulher colocou a mão no meu ombro e disse “Eu sinto muito”. Mas ela não sentia. Ninguém ali sentia absolutamente nada em relação a morte de uma gata qualquer. Nem eu mesma conseguia sentir. Eu queria muito, mas não sentia nada.
Eu subi de novo para pegar sacolas e desci. Achei que ia ter que fazer sozinha, mas meu irmão chegou do serviço. Ele já estava a par de tudo, com tanta gente a fofocar na rua. Ele guardou a bicicleta e veio até mim.
Eu disse “Você tira ela de lá?” E ele respondeu que precisaria de ajuda. Eu segurei uma sacola aberta, e com outra meu irmão pegou a gata do chão, e disse “Feche os olhos.” Eu não queria fechar, eu queria ver. Eu realmente queria ver, mas mesmo assim fechei os olhos. Depois ele pegou a sacola, já com a gata dentro e disse “Não dá pra enterrar agora, tá muito escuro. Amanhã cedo o pai enterra.” E deixou a sacola num canto da garagem. Eu tranquei o portão e subi. Meu jantar estava frio, e havia perdido o gosto.
Pela manhã, no “enterro” da gata, eu vi todo aquele sangue na frente da minha calçada. Então eu me lembrei de como o outro gato havia morrido. Apareceu o pobre infeliz no meu quintal literalmente quebrado ao meio. Não tinha o movimento das patas traseiras. Morreu se arrastando.
Então pensei “Teriam os excluídos que morrer sempre tragicamente, sem alguém com algum sentimento que não fosse pena a velar os seus corpos?”

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Falhas

Talvez seja essa uma tentativa de explicar porque eu quase nunca escrevo. Eu digo talvez porque, no fim, eu sempre me desvio do assunto principal.
Veja bem, eu não gosto de falhas. É certo que minha vida é repleta delas, mas quando eu escrevo, eu não gosto que no meu texto ajam falhas. É como um artista não gosta de um borrão na sua pintura. Ou como um músico não gosta de um acorde errado na sua música. Certamente nesse texto haverá falhas, mas eu não posso não escrever para sempre.
Se você é do tipo de pessoa que presta atenção a cada pequeno detalhe, então talvez saiba das minhas paixões, e então talvez consiga ligar os pontos - o que não é difícil - e deduzir, por mais óbvio que seja, que eu, provavelmente, escreva um livro. Acontece que eu já escrevi um livro. Ou partes de um. Ou partes de vários. Ou partes das partes de vários livros. O problema é que nunca está bom o suficiente. Sempre há falhas, ou o tema é o mesmo tema batido de sempre. É por isso que eu queria escrever sobre o comportamento das pessoas, mas não daquela forma clichê que nem aquelas frases idiotas que as pessoas cismam em postar no tumblr e que dão vontade de vomitar. Porque eu também detesto clichês.
Eu sei que a vida em si é basicamente um clichê inteiro, mas eu não gosto de clichês. De escrever clichês. De ler clichês. O que me irrita, porque só o fato de eu estar dizendo que odeio clichês já deve ser um clichê.
Não gosto das frases repetidas de amor e relacionamento. Não gosto dos temas batidos sobre a sociedade. Não gosto das mesmas palavras que as pessoas sempre usam pra mostrar que ser diferente é bom. Isso é irritante.
O que eu queria era explicar o porquê uma pessoa mentem para si mesma. Porque você sabe, as pessoas mentem para si mesmas o tempo todo. Eu queria explicar porque as pessoas mentem. Eu queria explicar porque, por mais que as pessoas digam não, seus sentimentos sempre são volúveis. Eu queria poder explicar o comportamento humano. Mas eu não posso, porque só a ideia em si é uma falha.
Então isso vira a porcaria de um paradoxo insolúvel na qual eu mesma tenho que decidir por mim o que é errado e o que é certo. E então eu acabo por decidir não escrever nada.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Máquina de escrever

Ganhei uma máquina de escrever do meu namorado a alguns dias, e hoje fiz meu primeiro texto de "verdade".
Vejam no que deu:

"Quando voam as borboletas

Por Nayara Demarchi

Capitulo I

Não sei o que escrever. Acho que isso é tudo.
É engraçado como histórias chegam em momentos inoportunos, como quando você está tentando dormir, ou quando está no banho, ou quando não tem onde escrever, ou com o que escrever. Mas agora, sentada aqui, as ideias não me vem à mente. Como eu detesto isso. Um dos meus gatos se encontra dormindo na bolsa da máquina, e eu não dou 5 minutos pra minha mãe me mandar parar com a barulheira. Preciso de ideias. Preciso parar de andar pela casa como se isso fosse resolver os meus problemas. Preciso de café. Ou não. Isso é como um paradoxo, mas eu não queria usar essa palavra. É quase impossível olhar para uma pessoa e não envolvê-la em uma trama mental que acabe em: um romance, ou uma morte, ou uma caçada interminável por bandidos, ou ambos com pares de asas sobrevoando o Central Park/ 5th Avenue/ Parlamento/ Avenida Paulista. Ou, até mesmo, tudo isso junto.
O engraçado, contudo, o mais irritante, é que as histórias sempre têm o mesmo começo. É como se fosse algo irrevogável, mesmo estando tênue na minha memória o significado dessa palavra. Isso não tem simetria alguma. É um texto desconexo sobre fatos e opiniões um tanto quanto irrelevantes que nada tem a ver com o titulo.
Minha mãe não me mandou parar com o barulho."

Obs.: Pra quem não sabe, máquinas de escrever fazem muito barulho com os botões, pois se tem que apertar os botões muito forte.

sábado, 1 de janeiro de 2011

Outra vez

Eu já não sei de nada. A respeito de ninguém. As pessoas mudam demais pra eu conseguir acompanhar. Ou talvez sempre tenham sido assim, eu que não vi, ou não quis ver.
Você faz coisas pelos outros sua vida toda, e raramente recebe algo em troca. E então você diz "cansei, não quero mais" e acha que vai parar. Mas você não para, você continua lá, com cara de imbecil, dando chances para todo mundo, ajudando todo mundo, e ouvindo problemas de todo mundo. E então você volta a se decepcionar com essas pessoas. E então você também as decepciona, e depois se sente mal por isso. E isso nunca acaba, porque você sempre volta atrás. E então você chora e diz que quer sumir, porque nada dá certo, porque você não tem amigos de verdade, porque você ouviu todo mundo, mas ninguém quis te ouvir. Ninguém. Silêncio.
E então você começa a procurar alguém que você acha que possa te ouvir e te entender. Aconselhar-te. Um amigo. Mas você não encontra ninguém, e desiste. Então você acha que nunca vai encontrar alguém, mesmo com aquela pontinha de esperança.
Você fica a observar as pessoas na rua, no ônibus, em qualquer lugar. E fica pensando "e se..." e não faz nada.
Você fica com dó de uma pessoa nova em algum lugar, que está sozinha, e decidi virar amigo dela. E então vem a mesma decepção, e você passa por tudo aquilo novamente. E mais uma vez. E mais uma. Outra. Novamente. Nunca acaba.
Então seus problemas, seus complexos, e até suas boas novas ficam só pra você outra vez.
E é ai que você pensa que nasceu pra isso.